Realiza-se debate sobre a incidência da CLADE na arquitetura da Agenda de Educação 2030

Na tarde do segundo dia da IX Assembleia Regional da CLADE, que é realizada na Cidade do México desde o dia 11 de novembro, aconteceu um rico e importante diálogo sobre a incidência da CLADE na arquitetura das Agendas de Educação e Desenvolvimento 2030 (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e Marco de Ação para a Educação 2030).

Por Avanildo Duque da Silva, representante da ActionAid no Comitê Diretivo da CLADE e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação no Brasil

Esse diálogo teve a participação de Roberto Aguilar, Ministro da Educação do Estado Plurinacional de Bolívia, Camilla Croso, coordenadora geral da CLADE e presidenta da Campanha Mundial pela Educação, e Silvia Alonso, da rede Incidência Civil em Educação do México. O diálogo foi moderado por Nelsy Lizarazo, da Agência Pressenza.

Destacamos a seguir os principais pontos abordados durante o debate.

Principais desafios para a implementação da Agenda 2030 na região de América Latina e Caribe

Aguilar destacou a importância de estabelecermos alianças entre os governos e a sociedade civil, exemplificando com as relações que o governo boliviano mantém com a Campanha Boliviana pelo Direito à Educação. Essa articulação vem permitindo um olhar crítico sobre os desdobramentos da Agenda 2030, não somente na Bolívia, mas em todas as instâncias regionais que estão imbricadas na implementação e no monitoramento da Agenda de Educação 2030. Reconheceu, além disso, a importância da CLADE como aliada nos níveis regional e internacional, inclusive no sentido de realizar um trabalho conjunto para a defesa dos avanços e conquistas que estão expressos na Agenda 2030.

A partir da experiência da ICE no México, Silvia enfatizou a importância das negociações e dos diálogos para a tradução dos indicadores globais da Agenda 2030 para os níveis nacional e local, o que tem se constituído um grande desafio para o Comitê Especializado que foi instalado com essa missão. Será um desafio inserir os aspectos específicos da realidade mexicana nesses indicadores, a partir de uma ampla participação da sociedade civil e de constituição de alianças com o governo, de forma crítica e construtiva.

Camilla Croso defendeu o princípio e a estratégia do diálogo entre governos e sociedade civil, a partir de uma participação horizontal que garanta a autonomia e a incidência para a tomada de decisões. Nesse sentido, destacou a experiência da CLADE, em diálogo como GRULAC1, que permitiu uma ação coletiva e progressiva na construção dos objetivos e metas da Agenda 2030, sempre orientada pelas mudanças de contexto vivenciadas na região.

Como desafios, Camila apontou a continuidade da disputa entre setores que defendem a homogeneização da educação, a partir da aplicação de provas padronizadas, lideradas pela OCDE, e os atores que defendem o fortalecimento dos sistemas públicos de educação frente a iniciativas privatistas, especialmente no tocante à valorização de professores e estudantes como sujeitos principais nos processos de defesa do direito humano à educação.

O Ministro da Bolívia retomou o tema de alianças entre diferentes setores, ressaltando as diferenças que se expressam quando se dialoga com governos progressistas ou com governos conservadores, pois esses privilegiam alianças com setores e sujeitos como o Banco Mundial, que não comungam a missão de promover uma educação emancipadora, defendida pela CLADE.

Acrescentou que a aliança com a Campanha Boliviana pelo Direito à Educação é importante para a construção de referências críticas no desenvolvimento e implementação de políticas educacionais. Destacou também que a aliança com a CLADE é relevante para a luta pela implementação da Agenda 2030, a partir de todas as instancias previstas para o monitoramento da mesma, bem como ao enfrentamento das diversas estratégias promovidas pelos atores privatistas e defensores das provas padronizadas aplicadas em grande escala, como o PISA2.

Silvia Alonso também defendeu o estabelecimento de alianças, apresentando como exemplo a necessidade de termos aliados no Congresso Nacional para a defesa de recursos e investimentos necessários para a educação, nos momentos de definição dos orçamentos plurianuais.

Camilla Croso apresentou como outro desafio importante o financiamento das metas da Agenda 2030, diante da retração de recursos financeiros para a educação e outros direitos sociais em vários países da região de América Latina e Caribe, a exemplo de Brasil, México e Argentina.

Roberto Aguilar, por outro lado, ressaltou a disputa ainda aberta pelos indicadores globais da Agenda 2030, reforçando o discurso da CLADE. “Ainda há possibilidades para o aperfeiçoamento dos indicadores globais, bem como a incidência pelos orçamentos necessários para o alcance das metas de Educação da Agenda 2030”, ressaltou.

A violência e a discriminação como obstáculos para o cumprimento da Agenda 2030

Para Roberto Aguilar, quando falamos de violência, temos que falar no plural, abordando as diferentes formas de violências que se expressam de formas distintas e complexas. Seu enfrentamento, de acordo com o Ministro, também deve ter enfoques plurais, com a combinação de ações educativas de prevenção, políticas e indiciamentos judiciais para a proteção das vítimas, a punição dos responsáveis e o combate a quaisquer formas de descriminação que impeçam o acesso e a permanência de crianças, adolescentes e jovens nas escolas.

Silvia Alonso destacou a negação à participação como uma violência que restringe o direito à educação. Para ela, negar às crianças o direito a participar nas tomadas de decisão nos ambientes escolares é uma violência cotidiana e pouco visibilizada. “Há que se enfrentar a relação vertical que existe nos processos educacionais e de gestão da educação”, afirmou.

Já Camilla Croso reforçou o papel central da educação no enfrentamento do patriarcado e defendeu a justiciabilidade do direito à educação, como instrumento para a exigência da implementação da Agenda 2030 e para a punição de violações aos acordos.

Arquitetura para a implementação da Agenda 2030

Camila Croso identifica espaços que foram derivados das últimas conferências de organismos das Nações Unidas, como Unesco. Destacou que a CLADE integra o Comité Diretivo da Consulta Coletiva das ONG´s sobre a Educação (CCNGO), que tem participação fundamental no monitoramento da implementação da Agenda 2030. Também aponta como mecanismo de seguimento a divulgação de relatórios periódicos pelos países.

Informou que, a cada quatro ano, realiza-se a Reunião de Ministros de Educação de América Latina e Caribe, que é responsável por fazer um balanço da Agenda 2030 na região. Em nível internacional, o Foro Político de Alto Nível, é outra instancia de avaliação e monitoramento da Agenda 2030.

Por fim, destacou a existência do Education Stakeholder Group do sistema ONU, do qual a Campanha Mundial pela Educação participa, e que igualmente terá a responsabilidade de dar seguimento ao cumprimento da Agenda 2030. “Para além da existência dessas instancias e mecanismos, persiste o desafio de garantir a real participação da sociedade civil nos espaços e momentos de tomada de decisão”, afirmou Croso.

Menciona também que há iniciativas para a implementação de um Observatório Regional de seguimento regional à Agenda 2030 a partir da CEPAL, porém esse espaço ainda não inclui a sociedade civil. Recordou, por outro lado, a existência da Together 2030, iniciativa mundial de que a CLADE participa, e a partir da qual a sociedade civil se organiza e soma forças para acompanhar a implementação da Agenda 2030, gerando conhecimento e dando vozes a organizações sociais de diferentes partes do mundo nesse processo.

Já Roberto Aguilar salientou a importância dos mecanismos de prestação de contas pelos Estados sobre a implementação da Agenda 2030, no contexto do Foro Político de Alto Nível da ONU. Compartilhou que o governo boliviano tem incidido nessa instância, com o objetivo de criar espaços de participação específicos para a região da América Latina e Caribe, contrapondo-se às investidas do Banco Mundial e da OCDE.

A cultura como estratégia de fortalecimento do direito à educação

Camilla Croso lamentou que a Cultura não tenha sido comtemplada com um objetivo específico da Agenda 2030. “Houve argumentos acerca da dificuldade de criar indicadores para mensurar as metas que seriam elaboradas para essa dimensão. Isso empobrece a perspectiva de uma educação emancipatória, pois a mesma inclui, nos seus princípios e em sua ação, uma escola sem muros e em estreito diálogo com o contexto cultural em que está inserida”.

Sobre esse tema, o Ministro Roberto Aguilar relatou a rica experiência da Bolívia, que, no último processo constituinte, superou a referência às “etnias” no planejamento educacional e avançou para uma concepção de “povos e nações”, o que resultou numa perspectiva de pluralidade cultural para o planejamento da educação. “Com isso também se reconheceu a herança colonial perversa contra os povos indígenas no país e a implantação de ações afirmativas para reparar desigualdades históricas, inclusive representadas na falta de acesso desses povos à educação”.

O conceito de educação ao longo da vida presente na Agenda 2030

Camila Croso lamenta que a Educação de Pessoas Jovens e Adultas (EPJA) não esteja presente nos indicadores do Objetivo 4 da Agenda de Desenvolvimento 2030, avaliando que essa modalidade não é prioridade para a maioria dos países. Nesse sentido, reconhece uma luta a ser feita nesse campo.

O Ministro Roberto Aguilar concorda e defende que a EPJA seja incluída entre os indicadores, não apenas pelo número de pessoas que necessitam dessa modalidade educativa, mas pelo conceito do direito à educação ao longo de toda vida, na perspectiva do “buen vivir”.


1 O Grupo Latino-Americano e Caribenho (GRULAC) é um grupo regional das Nações Unidas (ONU) que reúne todos os países da América Latina e do Caribe para discutir assuntos regionais e internacionais com o objetivo de chegar a um consenso.

2 O PISA é um programa de avaliação internacional de estudantes, criado em 2000, que tem como objetivo realizar uma comparação entre o desempenho de alunos em diversos países que aderem a aplicação de uma prova para esta finalidade.